quinta-feira, 29 de março de 2012

Ironias do destino

Sentada à janela, primeira classe mais do que merecida, apreciei maravilhada, quase sem fôlego o esplendor visto do alto: “Europa era linda demais”, pensei. Ao meu lado, um senhor de meia idade recostava-se a meu ombro e roncava alto. Não me importei muito com isso. Com certeza não devia ser pior do que o moleque mal educado que insistia em chutar minha poltrona a cada 5 min. Mas tudo bem, eu estava disposta a aproveitar cada segundo daquela viagem, nada poria meus planos abaixo. Nada.
            Talvez eu tenha sido um pouco precipitada com tal afirmação, considerando que assim que pus os pés em terra firme, para ser mais específica, em um hotel na França. Começaram-se os problemas, primeiro na recepção do hotel.
-Mas eu liguei ontem à noite para confirmar, como pode ter dado meu quarto a outra pessoa?
-Senhorita, lamentamos o mal entendido, mas não fui informada de tal confirmação. O quarto já está ocupado, mas há uma última suíte vaga...
-Ok. E quanto vai me custar a tal suíte?
-Vejamos... Aqui está! –apontou-me um valor extremamente absurdo, com uma quantidade significativamente grande de zeros.
-Meu Deus!
-É o que temos senhorita.
            Juro que pensei em dar meia volta e revirar as ruas de Paris à procura de algo mais acessível, mas lembrei de que já havia combinado com meu irmão e alguns amigos que todos ficaríamos naquele mesmo hotel pra não haver motivos para futuras alarmações. Hesitei por um instante antes de estender a mão para alcançar as chaves.
-Eu fico com a suíte.
-Agradecemos sua preferência.
            Bastou apenas que eu abrisse a porta para descobrir que todos aqueles zerinhos na prancheta da recepcionista não estavam lá à toa. O quarto era magnífico! Meio rústico, mas perfeito. Mais bonito que aquele só mesmo na televisão.
            Depois de duas longas horas na banheira de hidromassagem, voltei à recepção para certificar-me se meu irmão já não estava no hotel, fui informada de que ele estava com a namorada no quarto 314, vizinho ao que eu havia confirmada na noite passada.
-Você por aqui maninha? –indagou-me fingindo surpresa.
-Ha- ha-ha! -Ironizei.
-Chegamos agora a pouco. –disse Jessica surgindo logo atrás dele.
            Nunca fomos muito amigas, e eu para ser sincera nunca gostei muito da forma como ela tratava meu irmão, mas quem era eu para dizer como ela deveria tratá-lo...  Se ele gostava dela eu também haveria de gostar... Minha opinião de nada interferia. Ela era a namorada dele e eu era só mais uma solteirona perdida sem rumo implorando pela companhia de alguém.
            O quarto ao lado se abriu para minha surpresa, um rapaz de calção de banho e sorriso sedutor parou na minha frente implorando por meus olhos a lhe percorrem o corpo esguio dos pés à cabeça. Senti um arrepio ao fitar-lhe os olhos. Por algum motivo ele me fez lembrar minha família, não, na verdade era algo nele que me pareceu familiar demais... Max.
-Seu ladrãozinho de quarto! O que fez para ficar com meu quarto? Paquerou a recepcionista? –gritei irritada.
-Não, isso nem foi preciso já que ela tomou partido.
-Cretino. –resmunguei.
            Max era o cunhado do meu irmão, o pouco que eu sabia dele, eram os poucos comentários que eu ouvia: ele era um galinha.  Pediu para “ficar” comigo na primeira vez em que nos vimos, no aniversário da minha prima. Recusei e ele acabou ficando com ela. Nunca soube quem ele realmente era ou o que queria de mim, mas se ele fosse metade do que eu pensava que fosse, seria melhor que mantivéssemos total distância. Eu o odiava.
            Algumas horas após o almoço, nos reunirmos no salão principal para iniciarmos o tour pela cidade francesa. Estávamos em 16 pessoas, e como ninguém chegou a um consenso sobre onde ir, nos dividimos em duplas, assim se alguém se perdesse não ficaria sozinho pelo menos. Eu estava ansiosa para ir ao Museu do Louvre, e Max seria meu “companheiro”. Será que existia muitos lagos em Paris? Não, porque assim tudo seria mais fácil! Eu fingiria um tropeço e acidentalmente o empurraria lago adentro. Ambos não sabíamos nadar, o jeito seria eu pegar um saco de pipocas e assistir a cena sem piscar. Ai que horror! Como eu era diabólica!
-Onde vamos? –perguntou me tomando pela mão.
-Ao Louvre. – respondi enquanto passava a sua frente à passadas largas.
-Por que você me odeia?
-Eu não te odeio. –menti.
-Ah não? Então me deixe ao menos pegar sua mão!
-Você é como todos os outros! Primeiro é a mão, depois a perna e depois todo o resto. Eu não sou um pedaço de carne Max, não sou o tipo de garota com quem você está acostumado a lidar... –nem me preocupei em esconder as lágrimas que agora molhavam minha camiseta.
-Eu sei.
-Desde o dia que nos conhecemos a única coisa que você tem feito é me irritar!
-Mas eu gosto de te ver irritada, ao menos vejo você sorrir um pouquinho.
-E você se diverte com isso?
-Não, você é que se diverte com isso.
            Eu odiava admitir, mas ele estava certo. Lembrei-me das vezes em que fiquei triste e ele sentou-se a meu lado, eu não queria conversar e ele sabia disso, então simplesmente permanecia ali, calado. Talvez não soubesse o que dizer ou como reagir a uma de minhas crises emocionais, mas ele estava ali, e isso bastava. Ele implicava,provocava, irritava a não mais poder, mas o tempo inteiro ele só quis chamar minha atenção. Eu o ignorei por quase quatro anos, mas agora se tornava difícil não mirar aqueles olhos e enxergar o cara intrigante que se escondia atrás do olhar com envolvente.
-Sinto muito...  Por tudo.
-Hum, esquece isso, que tal um croissant? –perguntou pegando minha mão de volta.
-De chocolate branco?
-E de que mais seria?
            Seguimos às ruas de Paris em silêncio e quando chegamos ao hotel o silêncio foi quebrado.
-Quer fazer alguma coisa em especial?
-Não.
-Boa noite Daiane.
-Boa noite.
            Pensativa, coloquei meu biquíni e segui para a piscina do hotel. Sentei-me em uma espreguiçadeira e admirei a lua brilhante em contraste com o céu negro. Ela parecia brilhar cada vez mais, como se sorrindo para mim. Eu devia estar mesmo maluca.
-Que tal um banho? –perguntou uma voz familiar.
-Não, estou bem assim Max.
-Acho que não. –disse enquanto me tomava nos braços.
-Se eu fosse você não faria isso! –gritei tentando me soltar.
-É, mas você não é então...
            Não houve tempo pra mais nada, inclusive nem para apertar o laço do biquíni. Droga.
-Hum olha o que eu ganhei –disse levantando a parte de cima do meu biquíni feito criança com brinquedo novo.
-Me devolve isso agora!
-Ui ela tá com raivinha. –brincou enquanto se aproximava de mim.
-Por favor...
-Pega.
            Virei-me e o vesti o mais rápido que pude, segui para a escada.
-Não vai, fica.
-Pra quê? Pra você tentar um afogamento? Ah não, não, pra você ficar com a recepcionista na minha frente não é?
-Olha o que você tá dizendo guria!
-Quê? –gritei forçando a água que entupia meus ouvidos.
-Vem aqui que eu ajudo a desentupir.
            Aproximei-me cautelosamente, aprendi que com o Max era o que se precisava ter, muita cautela. Nunca se sabia qual seria seu próximo passo. Senti uma de suas mãos alcançar minha cintura e a outra acariciar minha face.
-É no ouvido. –lembrei com voz trêmula.
-Sério? –sibilou antes de cobrir meus lábios com os seus. O beijo foi suave, bem diferente do que eu imaginei que seria. Foi perfeito. Ele me fitou ansioso, pronto para receber minha bofetada, mas não tive forças pra isso. Eu ansiava por mais um beijo.Não precisei dizer nada, ele havia entendido. Tomou meus lábios novamente, dessa vez de uma forma tão apaixonada que chegava a ser confundido com desespero.
-O que você quer da sua vida? –perguntou de repente.
-Em que sentido?
-Quer ficar, namorar...?
-Depois dos idiotas que eu namorei, fiquei meio na dúvida quanto a isso, eu não sou o tipo de garota que fica com o time de futebol inteiro e se acha a melhor por isso, eu sou mais na minha, gosto de ter alguém sempre por perto e não acordar com um cara diferente todos os dias entende?
-Entendo.
            E ali ficamos por um bom tempo. Ora brincando ora trocando carinhos. E foi só quando o sol ameaçou se pôr que percebemos que havíamos nos empolgado um pouco. Meu celular tocou. Sem número.
-Alô?
            Só podia ouvir uma respiração ofegante do outro lado da linha.
-Alô? –repeti.
            Nada. Devia ser engano deduzi.
            Caminhamos de mãos dadas pelo corredor deserto que dava aos quartos.
-Bom, acho que é boa noite então.
-Não, é bom dia! São 5h20 da manha.
            Deu-me um último beijo antes de me deixar na porta de minha suíte. Peguei as chaves para abrir a porta. Mas que estranho, estava destrancada. Podia jurar que a havia chaveado. A luz estava acessa também. Enfim, entrei e tranquei a porta atrás de mim, temendo a entrada de um intruso, mas não me dei conta de que o intruso já estava ali. Senti um frio percorrer-me à espinha. Congelei. Diego me encarava com desprezo, garrafa de vinho em um canivete suíço em outra.
-Bom dia meu amor! Como foi sua noite?
            Embora tivesse vontade de gritar, não consegui.Me faltaram palavras.
-Ué, ué o Max comeu sua língua?
-Como chegou aqui? Saia do meu quarto agora!
-Você quis dizer do nosso quarto né meu amor? –apertou forte meu braço, enquanto me arrastava pelo quarto.
-Não aprendeu nada na cadeia seu idiota? Se me machucar mais uma vez, é lá que você vai passar suas próximas férias de verão!– o som da minha voz foi abafado por uma toalha.
-Sabe que eu até que aprendi umas coisas bem úteis lá... Tipo isso aqui! –senti uma dor aguda no abdômen. Uma... Duas... Três vezes. Em seguida um cheiro forte de sangue.
            Diego era o último de meus ex-namorados, namoramos por menos de uma semana. Ele achava que eu devia fazer o que ele mandasse e ai de mim se não obedecesse. Terminei com ele porque ele não passava de um idiota. Agrediu-me duas vezes e fora parar na cadeia por isso, mas agora ele estava ali, mostrando que as coisas só acabariam quando ele desejasse isso.
-Foi por aquilo lá que você me deixou? –perguntou referindo-se ao Max. –Por aquilo lá?
            Tentei me desvencilhar de seus braços, mas foi em vão. Minhas pernas me traíram, meu corpo tremia desvairado.
-Que foi amor? Não tá gostando do nosso encontro romântico? Olha, trouxe até um vinhozinho pra gente. Mas sabe de uma coisa, não estou com muita sede não, acho que você vai ter que beber tudo sozinha...
            Depois disso, as coisas aconteceram rápido demais para que as pudesse compreender... Ouvi o som de vidro sendo quebrado seguido de uma dor horrível na cabeça. A última coisa de que me lembro foi do ruído da porta sendo aberta e em seguida fechada. Depois não houve mais nada, só uma completa escuridão.
 ...
            Minha cabeça latejava, meu corpo inteiro doía como se tivesse sido esmagado. Abri os olhos lentamente, seja lá onde eu estivesse era claro demais. As luzes ofuscavam minha visão. Fechei os olhos e dormi.
            Quando acordei novamente, restavam poucas luzes acessas, mas eu não precisava de luz alguma para ter certeza de que estava num quarto de hospital. Percebi que alguém acabara cochilando no sofá bem ao lado de minha cama. Era Max. Eu estava certa... Ele nunca me abandonara. Cambaleei ao sair da cama, retirei a sonda com mãos trêmulas de uma só vez, evitando fazer barulho. Peguei meu cobertor e me aproximei de seu rosto.
-Max... –cochichei.
            Ele acordou num salto, me olhou perplexo antes de me puxar para si.
-Como você está? Sentindo alguma dor? Com fome? Sede? Frio? Enjoo? –indagou-me enquanto me segurava pelos ombros.
-Ei, tá tudo bem. Eu estou aqui. –o tranquilizei.
-Volte já pra cama mocinha! Você perdeu muito sangue. –me repreendeu- Ah, vem aqui –abraçou-me.
-Fica comigo.
Claro que sim Gatinha.
Deitamos no sofá e dormimos aninhados sob o cobertor.
            Quando os primeiros raios de sol entravam por minha janela foi que abri os olhos. No lugar onde Max estivera a noite inteira havia um travesseiro grande e fofo. Eu usava a sonda novamente e ao colocar a mão no abdômen pude sentir os pontos.
-Bom dia! –disse a enfermeira enquanto abria as cortinas.
-Onde ele está?
-Oh, está falando do rapaz bonito que não saiu de perto de você desde que a trouxe pra cá?
-Foi ele quem me trouxe?
-Sim, sim. Estava muito assustado o coitadinho.
-Ele foi embora?
-Não, foi buscar seu café da manhã.
            Alguns minutos mais tarde, Max atravessava a porta com uma enorme bandeja.
-Com fome?
-Muita.
            O café estava com uma cara ótima. Suco de laranja, leite, croissants e panqueca doce.
-Porque tem uma carinha feliz na minha panqueca?
-Achei que ia fazer você sorrir também.
            Abri um largo sorriso mostrando mais uma vez que ele estava certo.
-Come tudo que eu vou avisar aos outros que você já acordou.
-O que aconteceu com o Diego?
-Ele voltou pro lugar de onde nunca deveria ter saído. Não tem mais com o que se preocupar. Coma tudo está bem?
            Foi desgastante estar em Paris e ter de ficar o tempo inteiro no quarto do hotel. A cidade era mágica, romântica e cheia de mistérios. Eu queria conhecer bem mais daquele mundo. Estávamos há três semanas ali, e até aquele momento só me lembrava de ter ido ao Louvre e de ter dado uma passadinha rápida sob o Arc de Triomphe (Arco do Triunfo).
-Quer dar um passeio hoje? –perguntou Max enquanto entrava em meu quarto.
-Claro que sim! Temos só mais o fim de semana pra aproveitar.
-Esteja pronta em duas horas.
-Sim Mestre.
            Eu estava fascinada, tanto por Paris quanto por Max. Visitamos a Catedral de Notre-Dame, ficamos admirando por horas e horas a perfeição da Pirâmide Invertida e tiramos inúmera fotos sob a Torre Eiffel. Eu estava adorando cada segundo de sua companhia...
-Fique paradinha aí mesmo.
-Aqui? –perguntei enquanto parava em frente à Torre Eiffel
-Sim, perfeito.
            Max se aproximou com aquele mesmo olhar de menino levado como no nosso primeiro beijo na piscina, lembrei-me do céu naquela noite e de como a Lua havia “sorrido” para mim...  Teria me dado ela algum sinal? Bom, sinal ou não o fato era que eu gostava quando ele me olhava daquele jeito, era como se ele dissesse tudo e ao mesmo tempo nada, como se de alguma eu pudesse me perder naqueles olhos... E talvez pudesse mesmo, não, talvez eu quisesse.
-Que foi Max?
            Ele me fitava em silêncio, como se estivesse procurando as palavras certas.
-Eu não consigo mais... –disse por fim.
-Não consegue o que?
-Viver sem você.
            Senti meu coração parar por uns instantes antes de bater de forma frenética. Foi só aí que percebi as lágrimas a inundarem meu rosto.
            Quanto tempo eu havia perdido tentando me afastar dele... Quanto tempo eu havia perdido tentando enganar a mim mesma... Eu sempre gostei dele, sempre.
-Eu te amo. –sussurrou-me ao pé do ouvido.
-Je t’aime.
-Também não precisa me ofender né!
-É eu te amo em francês seu bobo.
-Eu sei disso sua boba.
            As pessoas iam e vinham. Algumas jamais voltavam. Muitas se perdiam no caminho de volta e outras nem tentavam voltar. Mas com Max era diferente, não havia motivo para querer ir a lugar algum, eu tinha tudo de que precisava, eu tinha tudo que me era necessário. Ele sempre esteve ali, e a partir daquele momento eu também estaria...
           
Juliane Lima

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